Mesmo com a enorme repercussão negativa do seu pronunciamento de terça-feira, o presidente voltou a afirmar que vai mudar estratégia de combate, colocando em risco toda a população
O presidente Jair Bolsonaro reafirmou, na manhã desta quarta-feira (25), na saída do Palácio da Alvorada, o seu pronunciamento feito na noite anterior e disse que vai mudar a estratégia de combate ao coronavírus, dizendo que vai falar para o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para adotar o chamado “isolamento vertical”, que atinge apenas idosos e grupos de risco. A estratégia é criticada por organismos de saúde internacionais e chegou a ser adotada no Reino Unido, que voltou atrás e agora faz o isolamento social.
O presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento em cadeia nacional, na noite de terça-feira (24), minimizando o surto do novo coronavírus, atacando os meios de comunicação e governadores e repetindo que há uma “histeria” em torno de uma “gripezinha”.
Para Bolsonaro, os meios de comunicação “espalharam a sensação de pavor” no Brasil e promoveram o que ele chamou de “histeria” no país. O presidente mais uma vez minimizou a doença que já matou mais de 16 mil pessoas nos últimos três meses.
Bolsonaro também responsabilizou prefeitos e governadores – citando nominalmente João Dória (PSDB), de São Paulo, e Wilson Witzel (PSC), do Rio – por criarem “histeria e pânico” para que possam surgir como “salvadores da pátria”.
O presidente ainda criticou aqueles que, segundo ele, priorizam a vida em detrimento à economia. “Aqueles que falam: ah, economia é menos importante que a vida. Cara-pálida: não dissocie uma coisa de outra. Sem dinheiro, o próprio campo vai deixar de produzir. Vamos viver do quê?”, indagou.
“É inadmissível um presidente da República agir de forma tão irresponsável. Com a sua declaração ele coloca a saúde de milhões de brasileiros em risco para atender o interesse de poucos. Desde o começo, esse governo deixou claro que só governa para alguns poucos, que são os empresários ricos. Ele ignora completamente a maioria da população, que é feita de trabalhadores. Os prejuízos econômicos poderão ser revertidos, mas a morte, não, a vida das pessoas tem que vir em primeiro lugar!”, afirmou Gustavo Tabatinga Jr, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
Repercussão no Brasil e no Mundo No horário do pronunciamento do presidente, às 20h30, novos panelaços de rechaço ocorreram em diversas cidades do país. É o oitavo dia consecutivo de protestos motivados, sobretudo, pela postura de Bolsonaro frente à crise social e de saúde pública provocada pela pandemia do novo coronavírus. Mas, não parou por aí, logo depois da fala do presidente, a repercussão foi imediata pelo Brasil e pelo mundo.
O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi um dos primeiros a se manifestar publicamente após o pronunciamento. Em nota assinada junto com o vice-presidente do Senado Federal, Antonio Anastasia (PSD-MG), classificaram como “grave” a fala do presidente da República e afirmaram que o país precisa “de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população”.
“Reafirmamos e insistimos: não é momento de ataque à imprensa e a outros gestores públicos. É momento de união, de serenidade e equilíbrio, de ouvir os técnicos e profissionais da área para que sejam adotadas as precauções e cautelas necessárias para o controle da situação, antes que seja tarde demais”, declaram Alcolumbre e Anastasia.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parabenizou o posicionamento de Alcolumbre e afirmou nas redes sociais que o “pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública” e avisou que desde o início da crise “vem pedindo sensatez, equilíbrio e união”.
“O momento exige que o governo federal reconheça o esforço de todos – governadores, prefeitos e profissionais de saúde – e adote medidas objetivas de apoio emergencial para conter o vírus e aos empresários e empregados prejudicados pelo isolamento social”, afirmou Maia.
Os secretários de Saúde da região Nordeste disseram que o pronunciamento voltou a minimizar a gravidade do coronavírus e da COVID-19, os deixou “estarrecidos”. Em nota, eles afirmaram que o presidente, ao comparar a infecção a uma “gripezinha” ou “resfriadinho”, “desfaz todo o esforço e nega todas as recomendações para combate à pandemia do coronavírus”.
Já os secretários estaduais de Educação decidiram ignorar o presidente Jair Bolsonaro e manter as escolas fechadas. Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Educação informou que continuará alinhado as determinações dos governadores, que seguem orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das principais autoridades médicas e científicas nacionais e internacionais.
Internacional Duas horas depois do pronunciamento, a embaixada dos Estados Unidos divulgou comunicado orientando seus cidadãos a deixar o Brasil o mais rapidamente possível. O texto relaciona uma lista de voos saindo do Brasil nos próximos dias e alerta que esse número tende a diminuir, antecipando uma piora da situação brasileira.
Jornais europeus que acompanharam o discurso de Jair Bolsonaro minimizando o coronavírus destacaram nesta quarta-feira (25) que presidente fez declarações “contraditórias” e “inacreditáveis”. Parte da imprensa também comentou sobre os panelaços contra o presidente brasileiro após o pronunciamento.
O jornal francês Le Monde, por exemplo, disse que Bolsonaro “minimiza os riscos relacionados à pandemia da COVID-19 ao criticar as medidas tomadas em diversas cidades e estados do país, em um momento que um terço da população mundial é colocada em confinamento”.
O britânico The Guardian destacou que Bolsonaro disse que, por seu passado como atleta, “nada sentiria” se fosse contaminado pelo vírus. A reportagem disse que declarações do presidente são “incendiárias” e que o discurso gerou panelaços em diversas cidades do país.
Já o jornal espanhol El País acusou Bolsonaro de ser “o pior caso” entre os presidentes da América Latina a lidar com a pandemia. Para o jornal, o ex-capitão está mais preocupado com a briga política entre governadores do que com os riscos da pandemia.
Especialistas também criticaram Para o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Junior, o presidente deixou explícito que a principal preocupação deste governo é a manutenção do lucro das empresas, e não a saúde da população. Essa intenção não é manifestada apenas no discurso, mas também em decisões, como no caso da Medida Provisória (MP) 927, publicada no último domingo (22), que desprotege ainda mais os trabalhadores em meio à pandemia do coronavírus.
Segundo Fausto, não há contradição entre a preservação da vida das pessoas e das empresas, pois não é possível pensar que as últimas vão funcionar normalmente se os trabalhadores estiverem em risco. “Não existe contradição. Se as pessoas sobreviverem, as empresas também sobreviverão. O problema é que o governo só ouve os empresários, um determinado perfil de empresários, e acaba refletindo essa percepção de que é preciso ‘salvar a economia’”, afirmou ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (25).
Já entidades de saúde coletiva e da bioética consideram intolerável e irresponsável o “discurso da morte” feito por Bolsonaro.
“Nesse ato, desrespeita o excelente trabalho da imprensa e de numerosas redes de difusão de conhecimento, essenciais para o esclarecimento geral sobre a COVID-19, e desmobiliza a população a dar seguimento às medidas fundamentais de contenção para evitar mortes, medidas estas cruciais encaminhadas com muito esforço pelas autoridades municipais e estaduais, implementadas por técnicos e profissionais do SUS, os quais vêm expondo suas vidas para salvar pessoas. Além disso, Bolsonaro comete o crime de ‘infração de medida sanitária preventiva’, a ser enquadrado no Art. 268 do Código Penal Brasileiro, ao desrespeitar ‘determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa’”, diz nota divulgada pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
“Nossas entidades, representativas da comunidade brasileira de sanitaristas, epidemiologistas, planejadores e gestores de saúde, cientistas sociais e outros profissionais da área de saúde pública, vêm a público denunciar os efeitos nocivos das posições do presidente da República sobre a grave situação epidemiológica que estamos vivendo. Seu pronunciamento perverso pode resultar em mais sofrimento e mortes na já tão sofrida população brasileira, particularmente entre os segmentos vulneráveis da sociedade”, afirma outro trecho.
CORONAVÍRUS, GUSTAVO TABATINGA
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