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Brasil tem tradição em memória e verdade

Vários trabalhos foram feitos no país, antes da criação do Dia Internacional pela ONU, como forma de impedir a repetição de crimes contra direitos humanos



O Dia Internacional pelo Direito à Verdade sobre as Violações dos Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas, celebrado em 24 de março, foi incluído no calendário nacional pela Lei 13.605, de 2018, proposta pela deputada federal Luíza Erundina (Psol-SP). Antes, porém, no Brasil, pelo menos três trabalhos fundamentais já haviam sido desenvolvidos pelo direito à memória e à verdade, que gozam de profundo reconhecimento internacional. O mais antigo encontra-se reunido no livro Dossiê Ditadura, com informações sobre os mortos e desaparecidos políticos pela ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985. Trata-se de um verdadeiro compêndio, rico em informações de cada vítima do regime de exceção, realizado por seus familiares. Sua primeira versão foi escrita ainda nos anos 1970, para auxiliar a Comissão de Anistia, liderada pelo senador Teotônio Vilela. Passou por ampliações e aperfeiçoamentos ao longo dos anos, com novas pesquisas e testemunhos de parentes e companheiras e companheiros das vítimas, até chegar à versão atual de 772 páginas.

O Dossiê Ditadura foi o primeiro registro das atrocidades cometidas contra as vítimas da ditadura militar no Brasil (1964-1985)

Outro livro de suma importância é Direito à Memória e à Verdade, que traz os resultados do trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). A comissão foi instituída pela Lei 9.140, de 1995, e instalada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, para elucidar crimes de graves violações de direitos humanos cometidos pelo Estado brasileiro de 1961 a 1985, período que inclui toda a ditadura militar, e indenizar vítimas e seus parentes. O trabalho mais intenso da CEMDP se estendeu até 2006, e no ano seguinte foi publicado Direito à Memória e à Verdade, que, apesar de ser um relatório oficial, apresenta em suas 500 páginas, textos na forma de relato histórico, que primam em fornecer dados e informações e proporcionam leitura fluente. Acesse aqui o livro em pdf. O caso mais recente foi a Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída pela Lei 12.528, de 2011, e instalada pela presidenta Dilma Rousseff no ano seguinte. Em 2014, ao concluir seus trabalhos, publicou o Relatório da CNV, em três volumes, que somam 3.382 páginas para descrever as graves e sistemáticas violações aos direitos humanos fundamentais, perpetrados pelo Estado no período entre a promulgação das constituições de 1946 e de 1988. No entanto, a grande maioria deles foi cometida durante a ditadura militar de 1964 a 1985. Ao todo, o documento identifica e descreve, de forma circunstanciada, o caso de 434 vítimas fatais, por razões políticas. Desse total, 191 foram executadas sumariamente ou morreram em decorrência de tortura, 210 sofreram desaparecimento forçado e outras 33 também foram vítimas de desaparecimento, mas os paradeiros de seus corpos foram localizados depois. Uma grande diferença do Relatório da CNV, para os outros trabalhos pelo direito à memória e à verdade, é que ele traz o reconhecimento pelo Estado de ter havido violação de direitos humanos em órgãos de segurança ou instalações clandestinas, pelas mãos de membros das polícias estaduais ou das forças militares. O Relatório também identifica 377 agentes públicos como autores dos crimes, entre os quais os cinco presidentes militares, e faz recomendações para assegurar que a violação aos direitos humanos não mais se repita no Brasil. Acesse aqui o Relatório da CNV em pdf.

Pela dignidade das vítimas

Para o militante dos direitos humanos Ivan Seixas, “a memória é fundamental para a compreensão histórica, e manter a memória preserva os personagens e entidades que viveram a história; e mais do que tudo, dá a verdadeira dimensão a eles”. Ivan, que foi militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), de resistência à ditadura militar, foi preso em 1971, junto a seu pai, o metalúrgico Joaquim Alencar de Seixas, que foi morto sob tortura no DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo. Ivan seguiu como preso político por seis anos, dos 16 aos 22 anos de idade, período em que também foi vítima de bárbaras torturas. “Quando se trata de violações aos direitos humanos, a preservação da memória ganha ainda mais importância, para se resgatar a dignidade das vítimas, que foram agredidas, difamadas e humilhadas por uma força desproporcional instituída, dentro de um processo histórico de violência e de desrespeito à vida humana”, testemunha Ivan. Depois de libertado, em 1977, Ivan Seixas sempre se dedicou a movimentos de garantia do direito à verdade e da preservação da memória das vítimas de violência de todas as formas, em especial aquelas perpetradas pelo Estado brasileiro. Entre outras atividades, fez parte da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, responsável pela realização do Dossiê Ditadura, foi assessor especial da CNV e coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo Rubens Paiva. “No Dia Internacional pelo Direito à Verdade sobre as Violações dos Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas, a humanidade tem muito a marcar e muito pouco a comemorar, no entanto, cabe lembrar essas violações e louvar suas vítimas, para que nunca mais aconteça”, conclui Ivan.

Fonte: Contraf-CUT


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